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  • Carlos Miguel Pacheco

A COLISÃO CÓSMICA ETERNAL


Nas nossas vidas não existem somente bons momentos. Miguel lembrava-se que às vezes tínhamos necessidade de criar os nossos dramas pessoais para introduzir um pouco de emoção em tudo o que fazíamos, mesmo nas nossas relações, e talvez na esperança que esses momentos se transformassem num novo romance que estava ausente já há algum tempo.

No seu entender, este sentimento estava ligado à necessidade que o ser humano tem de voltar ao ponto de partida, onde tudo é mais puro e espontâneo, mesmo os sentimentos, onde o tempo não adulterou e causticou os nossos espíritos, talvez para rivalizar ou imitar, mesmo cumprir o eterno ciclo de reconstrução que a Criação ela própria executa e nos impõe.

Punha a questão se finalmente a vida não seria mais do que o choque entre dois extremos e que nós nos encontremos no meio de toda esta confusão, desta dúvida constante que nos ultrapassa, como se a nossa existência se pudesse traduzir por uma viagem entre dois pólos e tivéssemos que colher os fragmentos desta colisão cósmica eterna. Sempre se disse que a história se repete e esta definição adapta-se perfeitamente a este nosso comportamento, a esta nossa forma de estar na vida que não é mais do que uma reflexão desse ciclo, o ciclo da vida.

Talvez que a atribuição de significados que a sociedade estipulou como regra fosse uma mentira e a palavra anarquia fosse simplesmente a rejeição da simetria que uma minoria impõe à nossa existência. Acreditava que era essa simetria que cria as nossas limitações, que o significado expresso por uma certa atitude, expressão ou acção pode ser diferente quando enquadrado num outro sector de tempo, ou seja, num contexto diferente, o que simplesmente significa que tudo é relativo. Miguel pensava que a conclusão final de tudo isto, é que não é preciso ser um Einstein para atingir uma certa noção sobre a teoria da relatividade, e que às vezes a complexidade se alia à simplicidade da análise dos elementos, contrariando a mentalidade complicada dos seres humanos.

Acreditava que as questões existenciais têm a ver com o infinito, o que significa que não existe uma só resposta para uma única dúvida, e que ao mesmo tempo isso representa a multiplicidade de realidades e de dimensões que são extensivas a esse contexto específico que exprime nada mais do que as nossas dúvidas. Provavelmente, essas dúvidas são criadas pela falsa necessidade de nos convencermos de que precisamos de certezas para sobrevivermos quando finalmente vivemos numa eterna dúvida existencial.

Sim, pensava que a vida não é mais do que uma constante dúvida sobre tudo o que nos rodeia, sobre tudo aquilo que os nossos olhos captam e que nos cria a necessidade de interpretar todas essas imagens. Porque essas dúvidas são extensivas à nossa própria existência, porque são elas que nos fazem viver e não as certezas. Se tivéssemos só certezas, a vida perdia o seu encanto, tornando-se numa tristeza total sem nenhum objectivo a alcançar. Faltaria o desafio, o sentimento da descoberta, a novidade que atribui novos significados às nossas acções e pensamentos, finalmente, ao nosso comportamento.

Sentia no íntimo que esta necessidade intrínseca de criar dúvidas para obter respostas está ligada ao ciclo da vida, relacionada com as nossas noções sobre o princípio e o fim. Poderíamos mesmo dizer que as dúvidas fazem parte integrante e fundamental do nosso processo evolutivo.

*****

Todas estas reflexões e pensamentos faziam parte dessa ‘realidade virtual’ de Miguel, e o que mais o atormentava era sentir que dependia delas para sobreviver. Podia tornar-se numa situação semelhante à de depender de uma máquina artificial num hospital para poder viver, por ter uma doença grave ou qualquer outro contexto de degradação física.

Após o falecimento de Emília, Miguel encontrara-se numa situação de solidão completa que foi gradualmente atenuada pela presença de uma pessoa que o tinha acompanhado nessa fase penosa da sua vida. Mais uma vez a vida lhe trouxera uma compensação, e a sua presença era uma demonstração desse facto. Rosária era a chama, a flor no seu jardim que o fazia viver, era a motivação que o tinha feito terminar os livros que expressavam as suas ideias, valores e estados de espírito, era a razão dele ter sobrevivido aos únicos acontecimentos que o tinham feito vacilar pela primeira vez no percurso da sua existência.

Após uma hora e meia de introspecção e de reciclar novamente momentos do passado e presente, Miguel voltou à sala de estar onde tinha o computador, o veículo que ele utilizava para transmitir todos estes pensamentos, todas estas questões que ele punha a si mesmo e aos que o rodeavam. Para ele era como um escape, uma evasão, e ao mesmo tempo trazia-lhe o sentimento de que tudo o que ele representava, sentia e pensava, seria eventualmente compreendido por espíritos semelhantes ao seu. Esta sensação proporcionava-lhe uma tranquilidade interior que era representada pelo facto dele, como ser humano, poder deixar uma mensagem para a sociedade.

A noite aproximava-se e com ela mais um período de identificação com as estrelas, com o céu, com o Universo, finalmente com todas as mensagens cósmicas que esse ambiente lhe pudesse proporcionar como inspiração.

E foi assim que se passou mais um dia na vida de Miguel. Já no leito, pensou novamente no avô, na sua criatividade quando se imaginava a navegar nas antigas caravelas, descobrindo novos continentes e civilizações. Finalmente adormeceu a pensar se a vida não seria simplesmente um ‘sonho perdido no tempo’.


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