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  • Carlos Miguel Pacheco

O ESPÍRITO, O TEMPO E O ESPAÇO

Updated: Jan 24, 2020


SONHOS PERDIDOS NO TEMPO

- Excerto do Capítulo VIII - "Divagações - II"

Sim, Miguel usava frequentemente a expressão "sonhos perdidos no tempo", mas no entanto tendo a consciência de que a vida era um processo de mutação constante ao nível intelectual e espiritual, o que logicamente deveria conduzir a humanidade a um nível de evolução superior. Contrariamente a isso, verificava que esse processo de maturação tinha criado um obstáculo entre esse processo evolutivo e a devida adaptação do ser humano à velocidade exigida pelo mesmo. Pensava que a tecnologia ultrapassava largamente a nossa velocidade de discernimento e criava uma alienação por valores supérfluos e virtuais que só servem os interesses de uma minoria.

A sensação de ‘aceleração do tempo’ não era real, mas sim o produto deste conflito, desta dessincronização entre o ritmo imposto a nós próprios, seres humanos, e o tempo real, o ‘tempo’ como entidade, com o seu próprio tempo e o tempo que ele mesmo nos impõe. Era como adulterar ou mesmo violar o ‘tempo’, o tempo da nossa própria existência.

Ele próprio tinha sempre vivido num mundo pessoal, tendo com o tempo, construído a sua realidade. Às vezes pensava que este comportamento não era normal, principalmente quando o chamavam de “sonhador”, mas no entanto tendo a certeza de que ele não seria o único a agir e pensar dessa forma. Sabia que existem definições teológicas que afirmam que cada um de nós constitui um ‘mundo’ diferente, o que justifica a diferença existente entre cada um de nós, seres humanos. Essas teorias também argumentam que aquando do nosso falecimento, esse ‘mundo’ pessoal também acaba, acompanhando o trajecto da nossa existência espiritual. Miguel identificava-se profundamente com estas teorias dada a sua percepção sobre o ausente, o abstracto.

A sua concepção sobre o tempo e o espaço também se adaptavam a uma visão cósmica em que nada tem princípio nem fim, portanto, sendo a sua percepção sobre a continuidade de espírito uma constante na sua existência. Essa continuidade não constituía nada mais do que o enquadramento da nossa alma com o trajecto eterno do cosmos, da Criação propriamente dita, finalmente, da ‘Existência Universal’. Sim, da ‘Existência Universal’, porque ela existe como ser único, autónomo, supremo, omnipresente e expressando a presença fundamental dessa ‘entidade’ superior chamada ‘Criação’.

Contrariamente às definições científicas, pensava que a aceleração do tempo se passava sobretudo nos nossos espíritos, dependendo da maneira de o viver e em que fase das nossas vidas. Quando crianças, possuímos uma noção diferente sobre o tempo e sobre as dimensões de tudo o que nos rodeia. Quando adultos, medimos o tempo conforme o nosso estado de espírito e de acordo com o ritmo de vida que impomos a nós próprios, ou que a sociedade nos impõe. O stress causado por este contexto sociológico, acelera o nosso tempo individual, tornando-nos dependentes dessa noção errada sobre o ‘tempo universal’.

Não sendo uma pessoa religiosa, Miguel pensava que as respostas às nossas questões mais difíceis, só poderiam ser encontradas no nosso interior, no nosso espírito, sobretudo questões metafísicas e existenciais. Considerava a Ciência indispensável, mas comedia a avaliação da sua função na sociedade, uma vez que as conclusões científicas eram lineares e estavam sempre a ser ajustadas, mesmo eliminadas de acordo com o avanço e a pesquisa praticados. Era como dizer que as certezas de hoje se podem transformar nas dúvidas de amanhã e assim sucessivamente, num processo que nunca conduzirá a uma resposta final. Esta sua opinião adaptava-se à sua linearidade de pensamento em certas áreas da sua existência. Às vezes, enquanto reflectia sobre tudo isto, acabava por encontrar contradições aparentes nas suas análises, mas que finalmente se adaptavam a todo um processo de evolução que por sua vez implicava questão após questão. Pensando bem, talvez que a ausência de uma conclusão final tivesse uma justificação. De facto, se não houvessem mais questões a pôr, não existiria mais nenhuma razão para evoluir, criando uma estagnação em termos intelectuais e espirituais e acabando com a motivação que leva o ser humano a evoluir constantemente.

Este discernimento e esta conclusão, consolidavam o sentimento de que nada poderia substituir as respostas que nos são dadas pelo nosso espírito, sendo estas mais convincentes do que todas as conclusões científicas, sobretudo as que pretendem encontrar as respostas sobre as nossas origens. Esta questão iria permanecer sem resposta ao longo de todo o percurso da humanidade. Miguel pensava que era este mistério que alimentava a nossa existência, esta incerteza sobre as nossas origens e sobre o nosso destino final. Se compreendêssemos esta questão fundamental, não estaríamos na dimensão presente, mas sim naquela que nos aguarda e que nos causa tanta angústia existencial.


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